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Hemoglobina A1c e a sua importância para o diagnóstico da diabetes mellitus


Dra. Angela Neves | Medicina Geral e Familiar

Unidade de Saúde Familiar de Santa Maria


A Hemoglobina A1c é formada por um processo enzimático irreversível (ao contrário da glicosilação) que ocorre durante o tempo de vida do eritrócitos i.e. 120 dias. A HbA1c é considerada representativa da média diária de glicémias ao longo da vida do eritrócito. A glicemia mais recente é a que mais a influencia sendo que 50% corresponde ao mês anterior à colheita 25% aos 2 meses anteriores e os restantes 25% aos 3 e 4 meses anteriores à colheita.

A hiperglicemia persistente está na génese das complicações da diabetes através de vários mecanismos nomeadamente pela glicação proteínas, sorbitol e hiperosmolaridade. Os valores de HbA1c correlacionam-se por isso com a média dos valores de glicémia como foi demonstrado em vários estudos nomeadamente no de Nathan DM publicado na Diabetes Care em 2008. Desta forma a HbA1c é um método utilizado sobretudo no seguimento mas também no diagnóstico da diabetes mellitus. Como qualquer método, a HbA1c apresenta limitações e interferências com o método. O médico que segue a pessoa com diabetes deve estar atento a essas interferências por forma a interpretar corretamente os valores na individualidade da pessoa com diabetes.

Uma das interferências mais frequentes na prática clínica tem que ver com as alterações hematopoiéticas. De facto é fácil perceber que qualquer situação que altere a semivida das hemácias irá influenciar o valor de HbA1c. Assim anemias hemolíticas, anemias por défice de vitamina B12 ou ácido fólico, hemorragias significativas, anemias hemolíticas levam a uma redução do valor de HbA1c sem que isso represente uma diminuição na média da glicemia da pessoa com diabetes. Assim numa anemia hemolítica ou em casos de hemorragia verifica-se uma diminuição da semivida dos eritrócitos (que são perdidos por hemólise ou hemorragia) isto leva a que haja uma menor exposição à glicose o que leva a um valor diminuído de HbA1c.

No caso das anemias macro cíticas (e.g. por défice de ácido fólico e vitamina B12), a macrocitose leva a um aumento da destruição dos eritrócitos que leva também a uma diminuição da HbA1c. Nas hemoglobinopatias dependendo do método utilizado pode ocorrer que a hemoglobina patológica não seja detetada induzindo por isso falsos resultados.

Outras causas de falsa redução do valor de HbA1c são a presença de grande quantidades de vitaminas C e E uma vez que estas substâncias funcionam como inibidores da glicação da hemoglobina o que esteve na investigação destas substâncias como coadjuvantes terapêuticos na diabetes. Outros fármacos que também inibem a glicação são os anti retrovirais pelo que nos doentes medicados com estes fármacos é de esperar um valor falsamente diminuído.

O hipertiroidismo ao aumentar o turnover celular cria em circulação eritrócitos mais novos e em maior número o que leva a um resultado mais baixo do que o esperado de HbA1c. De forma semelhante a eritropoietina utilizada por doença renal leva a um aumento da produção de eritrócitos que passam a estar em circulação em maior número e mais novos levando também a um falso abaixamento da HbA1c. Situações de destruição celular acelerada como na hemodiálise e na intoxicação por chumbo levam também a valores falseados de HbA1c.

Pelas descrições anteriores torna-se claro que valores de HbA1c de doentes com doença renal crónica estádio V sob hemodiálise e medicados com eritropoietina tem de ser interpretados com muita precaução.

O valor de HbA1c pode também estar falsamente aumentado. Em termos de interferência com o método temos a hiperbilirrubinemia, a hipertrigliceridemia e a presença de opiáceos. Nos casos de diminuição de produção eritrócitária como na anemia ferripriva, aplasia medular (por tóxicos, radiação, fibrose ou tumores)e leucemia verifica-se um valor falsamente aumentado de HbA1c. A presença de substâncias no sangue podem levar a alterações da hemoglobina levando a um resultado falsamente aumentado é o caso da hemoglobina acetilada (devido ao ácido acetilsalicílico em altas doses) ou da hemoglobina carbamilada (na presença de ureia associada a insuficiência renal).

O alcoolismo é uma condição que pode falsear por aumento o resultado de HbA1c por dois mecanismos o défice nutricional (que leva a uma diminuição da produção)e uma interferência direta com o método do álcool. Por último situações que cursem com perda de líquido e proteínas levam a uma diminuição da síntese proteica e consequentemente dos eritrócitos levando a um aumento da HbA1c não correlacionável com a glicemia. Paradigma desta situação são os queimados.

Em conclusão todos os valores de HbA1c devem ser inseridos na avaliação da pessoa com diabetes. Valores incongruentes devem ser estudados podendo estar recomendada a realização de um perfil glicémico.