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Bexiga hiperativa: causas, sintomas e tratamento


Dr. Pedro Tiago Coelho Nunes | Urologia

Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra


A bexiga hiperativa (OAB) enquadra-se nas perturbações miccionais de armazenamento e é definida pela ICS (International Continence Society) como a presença de urgência, com ou sem incontinência de urgência, habitualmente acompanhada de frequência e noctúria, não havendo infecção ou outra causa evidente para estes sintomas.

É uma combinação ou complexo de sintomas: síndrome de urgência ou de urgência-frequência são frequentemente usados como sinónimos de OAB. A presença de urgência ou imperiosidade miccional é assim indispensável e suficiente para definir OAB. Esta é difícil de definir, mas caracteriza-se por uma vontade súbita e imperiosa de urinar que não se consegue deferir no tempo. Alguns autores afirmam que esta urgência é apenas o extremo de uma sensação normal de necessidade de urinar enquanto outros acreditam ser um fenómeno patológico sem relação com a fisiologia normal.

Pode existir OAB sem incontinência urinária – OAB seca ou, menos frequentemente, com incontinência urinária (de urgência ou mista) – OAB molhada.

Figura 1: A bexiga hiperativa, caracterizada por urgência miccional, pode acompanhar-se ou não de incontinência urinária de urgência, frequência ou noctúria

Epidemiologia

A OAB é incómoda e afecta negativamente a qualidade de vida dos doentes. Associa-se a co-morbilidades significativas, a diminuição da produtividade laboral e redução do bem estar emocional.

A maioria dos grandes trabalhos publicados referem uma prevalência de OAB entre 10 e 20% factores de risco idade – sabe-se que a incidência de OAB aumenta com a idade podendo chegar em algumas séries aos 60% aos 70 anos.

Sexo – nas idades mais jovens a OAB é mais prevalente nas mulheres. Com o avançar da idade a diferença entre os dois sexos parece atenuar-se. Este facto pode explicar-se pela patologia prostática que induz OAB. Na população geriátrica a prevalência de OAB é semelhantes nos dois sexos.

Outros factores de risco bem estabelecidos para o aparecimento de OAB são: obesidade, alguns aspectos relacionados com o estilo de vida (tabagismo), estado reprodutivo (muito frequente durante a gravidez e após a menopausa), cirurgias pélvicas prévias.

Abordagem diagnóstica

A definição de OAB implica que não exista nenhuma patologia subjacente que possa explicar a sintomatologia presente, sendo assim um diagnóstico de exclusão. Se houver, por exemplo, uma infecção do trato urinário ou sinais de obstrução prostática, que possam explicar a sintomatologia não poderemos rotulá-la de OAB.

Existem diagnósticos diferenciais que devemos considerar, devendo ser feita uma avaliação metódica para os excluir.

Na tabela 1 enumeram-se algumas causas de hiperatividade do detrusor (contracções não inibidas do músculo estriado vesical que o doente não consegue abolir voluntariamente) e que devem ser consideradas no estudo e diagnóstico diferencial de OAB.

O próprio processo de envelhecimento com todos os processos que acarreta é globalmente encarado como um factor de risco para OAB.

Tabela 1: Causas de hiperatividade do detrusor

A maioria dos algoritmos para OAB recomenda uma avaliação básica com uma história clínica e exame físico dirigidos, diário miccional e sumária de urina. Exames adicionais só se justificam após falência terapêutica, presença de microhematúria ou um resíduo pós-miccional elevado.

A noctúria pode estar ou não presente na OAB e define-se como a interrupção do sono uma ou mais vezes durante a noite pela necessidade de urinar. Só devem ser contados os episódios antecedidos e precedidos de sono. A noctúria pode ter várias causas além da OAB (poliúria e alterações do sono por exemplo), é muito frequente e altera bastante a qualidade de vida dos doentes. Associa-se a sintomatologia depressiva, fadiga diurna, alteração do metabolismo dos hidratos de carbono e risco de quedas e fracturas, principalmente na população idosa. Alguns estudos apontam a noctúria como um factor de risco independente para aumento da mortalidade.

A incontinência urinária deve ser pesquisada e caracterizada: de esforço se estiver associada a momentos de aumento da pressão intra-abdominal, de urgência se for precedida de urgência ou mista se tiver os dois componentes. Na OAB pode haver incontinência de urgência ou mista.

O médico deve ter ideia da severidade da urgência para poder caracterizar corretamente o quadro, monitorizar a sua evolução e avaliar a resposta á terapêutica. A gradação objectiva da severidade da urgência pode ser difícil de conseguir. Foram propostos alguns questionários e escalas. Pensamos que na população idosa a utilização de uma escala analógica visual pode ser de mais fácil aplicação. A urgency perception scale é um exemplo deste tipo de instrumentos pois é de fácil aplicação e reprodutibilidade (figura 2).

Figura 2: Instrumento que pode ser utilizado na gradação da severidade da urgência

O exame físico deve ser dirigido com uma avaliação abdominal (pesquisa de globo vesical e resíduo pós-miccional), pélvica (toque rectal, pesquisa de sinais de hipoestrogenismo, prolapsos de órgãos pélvicos, impactação fecal) e neurológica (estado de consciência, reflexos pélvicos – bulbo-cavernoso, tonicidade esfincteriana rectal e da musculatura vaginal).

Pelos motivos já referidos o estado cognitivo e a mobilidade devem ser especialmente avaliados nesta população.

O diário miccional (registo em alguns dias consecutivos do horário e volume de cada micção bem como da sintomatologia acompanhante – urgência, incontinência) é um instrumento diagnóstico fundamental pois pode permitir diferenciar uma bexiga de baixa capacidade, de uma hiperatividade vesical ou de uma noctúria e deve ser realizado em todos os doentes. Nos casos de OAB os volume miccionais são habitualmente erráticos e sem padrão definido. Na população idosa pode ser difícil a sua realização, principalmente se o doente usar fralda permanente, podendo nestes casos fazerem-se verificações e registos periódicos do estado (seco ou molhado) da fralda.

Análises gerais e uma sumária de urina devem ser realizadas para excluir infecção urinária ou hematúria.

Terapéutica

Depois desta avaliação básica podem iniciar-se medidas gerais e comportamentais:

  • Restrição vespertina de fluídos
  • Desabituação tabágica
  • Controlo do álcool e cafeína
  • Revisão da tabela terapêutica
  • Regularização dos hábitos intestinais
  • Adequação do meio envolvente e sanitários
  • Micção pelo relógio (esvaziamento vesical periódico mesmo sem vontade)
  • Treino vesical (tentativa consciente de abolir a urgência com atraso miccional)
  • Exercícios de fortalecimento do pavimento pélvico
  • Controlo ponderal
  • Correcção do hipoestrogenismo genital nas senhoras com creme de estrogénio tópico

A falência ou insuficiências das medidas acima enumeradas obriga à instituição de terapêutica farmacológica de primeira linha com fármacos anti-colinérgicos.

Estes medicamentos atuam através do bloqueio reversível dos receptores muscarínicos vesicais abolindo a contractilidade vesical, diminuindo a frequência urinária, episódios de urgência e incontinência e aumentando o tempo de aviso para a micção. São exemplos de fármacos com utilização clínica: oxibutinina, tolterodina, cloreto de tróspio, flavoxato, propiverina.

Têm uma eficácia global entre os 50 e 70% e uma elevada taxa de efeitos adversos, que leva uma elevada percentagem de doentes a descontinuar o tratamento. Os efeitos adversos devem-se à baixa selectividade do seu bloqueio muscarínico, o que condiciona: xerostomia, xeroftalmia, dificuldades de acomodação visual, taquicardia, arritmias cardíacas, obstipação, dispepsia. Estes efeitos podem ser especialmente desagradáveis e agravar outras patologias em doentes idosos. 

No idoso e pelo facto de atravessarem a barreira hemato-encefálica podem ocasionar tonturas, sonolência, delírio, alterações cognitivas e de memória. Estes efeitos são agravados pelas alterações na farmacocinética, farmacodinâmica e polifarmácia frequentes nesta faixa etária. Na população geriátrica deve começar-se a prescrição destes fármacos com precaução e com a dose mais baixa possível. A tolterodina menos lipossolúvel parece cruzar a barreira hematoencefálica com mais dificuldade que a oxibutinina tendo algumas vantagens teóricas nesta faixa etária.

Estão contra-indicados na DPOC, glaucoma de ângulo fechado e suspeita de obstrução urinária.

Os fármacos mais recentes (solifenacina, darifenacina) parecem ter maior selectividade e menor incidência de efeitos secundários.

Existem algumas formulações de libertação prolongada e administração transdérmica com aparente benefício em termos de comodidade posológica e efeitos secundários.

Recentemente foi introduzido no mercado um fármaco oral com um mecanismo de acção diferente: agonista dos receptores adrenérgicos β-3 - mirabregon - que parece ter uma eficácia semelhante mas um perfil de segurança e de efeitos secundários mais favorável.

Num contexto mais especializado e caso a resposta ás terapêuticas de primeira linha seja insatisfatória ou haja sinais de gravidade (por exemplo hematúria ou resíduo pós-miccinal elevado) pode haver indicação para outro tipo de exames auxiliares de diagnóstico: uretrocistoscopia, citologia urinária, estudos urodinâmicos ou exames imagiológicos. Não existem até à data marcadores bioquímicos que façam o diagnóstico desta patologia.

As terapêuticas especializadas mais utilizadas incluíram historicamente a instilação intravesical de resinoferotoxina ou capsaicina – e actualmente a injeção intravesical de toxina botulínica. A injeção desta potente toxina faz-se por via transuretral com várias punções a nível do detrusor ou no espaço sub-urotelial, inibindo a libertação pré-sináptica de acetilcolina e interferindo com outros sistemas de neurotransmissores. Esta terapêutica tem uma elevada taxa de sucesso com efeitos secundários mínimos. A sua ação dura cerca de nove meses, necessitando de ser repetida a injeção após este período.

A neuromodulação é uma alternativa terapêutica para casos refractários à terapêutica convencional e a forma mais habitual da sua aplicação é através da implantação de um estimulador a nível das raízes sagradas. Tem bons resultados em casos devidamente selecionados.

Em casos refractários a todas as medidas enunciadas anteriormente a única solução para melhorar a qualidade de vida do doente idoso pode ser a utilização de material absorvente (pensos ou fraldas) ou a derivação urinária externa com sonda vesical (uretral ou suprapúbica).

Resumo

  • A bexiga hiperativa é um síndrome cujo sintoma central é a urgência miccional.
  • É uma patologia com uma elevada frequência na população idosa e que perturba grandemente a sua qualidade de vida, devendo ser pesquisada de um forma ativa nesta faixa etária.
  • É um diagnóstico de exclusão, sendo o seu estudo básico muito simples e acessível a qualquer médico.
  • O tratamento inicial passa por medidas gerais e anticolinérgicos.
  • Os fármacos anticolinérgicos têm uma elevada eficácia, mas efeitos secundários frequentes e desagradáveis que obrigam muitas vezes à interrupção do tratamento. Devem ser utilizados com especial precaução nos idosos.
  • Em casos de falência diagnóstica ou terapêutica primária – os cuidados urológicos especializados podem oferecer alternativas eficazes