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Distribuição de contracetivos hormonais em farmácia comunitária sem necessidade de prescrição médica


Dra. Helena Veloso | Ginecologia/Obstetrícia

Centro Hospitalar e Universitário do Porto, Porto


The American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) emitiu em outubro de 2019 um parecer apoiando a aquisição de contracetivos hormonais nas farmácias sem necessidade de prescrição médica. De acordo com a ACOG, este acesso promove uma maior continuação na utilização de métodos contracetivos, tem o potencial de diminuir o número de gravidezes indesejadas, não deve ter restrições de idade e deve basear-se na utilização de instrumentos que permitam a identificação de utentes com contraindicação à utilização de contraceção hormonal.

As limitações no acesso a métodos contracetivos são uma das razões para a sua descontinuação ou não utilização. Estudos randomizados mostram que os maiores obstáculos reportados no acesso a contraceção são: custo, dificuldades no agendamento de consulta, necessidade de realização de exame ginecológico ou métodos complementares (como ecografia ginecológica ou citologia cervical) e ausência de médico de família/médico assistente regular. Evidenciam também que o maior acesso a métodos contracetivos promove menores taxas de descontinuação e sendo assim uma maior continuidade na utilização do método contracetivo.

Contudo, com a perspetiva de maior acessibilidade a contraceção hormonal, os profissionais de saúde reportam algumas preocupações como: redução da cobertura de rastreios, diminuição da confiança médico-utente e aumento dos efeitos adversos da contraceção. Porém, é importante ter em atenção que para o início dos métodos contracetivos disponibilizados em farmácia comunitária não é necessário exame ginecológico, ecografia pélvica, citologia cervical ou rastreio de doenças sexualmente transmissíveis e, portanto, esta não deve ser uma razão utilizada para impedir o maior acesso das utentes a contraceção.

Um fator ainda a ter em conta é o potencial de efeitos adversos associado a contraceção hormonal. Nenhuma medicação ou intervenção é livre de riscos. Ao nível da contraceção hormonal a maior preocupação situa-se no aumento da taxa de tromboembolismo venoso (TEV). Todavia, estudos demonstram que o risco de TEV associado ao uso de estrogénios (3-9/10.000 mulheres) é reduzido quando comparado com o aumento do risco associado à gravidez (5-20/10.000 mulheres) ou puerpério (40-65/10.000 mulheres), além de se verificar que o risco associado à utilização de progestativos isolados ser o mesmo da população geral (1-5/10.000). Assim, seria importante que os métodos vendidos na farmácia incluíssem informação pormenorizada e de fácil interpretação incluindo benefícios e riscos da contraceção, indicações e contraindicações terapêuticas, instruções de posologia e avisos sobre efeitos secundários e adversos, prevenindo a sua má utilização.

A ACOG apresenta também estudos que foram criados com o intuito de avaliar a presença de contraindicações na população e a capacidade das utentes de as identificar. Estes demonstraram que as utentes conseguem identificar em mais de 95% dos casos os fatores que motivam contraindicação. Em casos de discrepância entre a avaliação das utentes e a avaliação médica, as utentes tinham tendência para identificar mais contraindicações e nenhuma das utentes envolvidas nos estudos teria usado incorretamente um método contracetivo hormonal.

Nos Estados Unidos da América alguns estados já permitem às utentes a obtenção de contraceção hormonal após uma “consulta” com o farmacêutico. Neste é aplicada uma checklist que identifica as contraindicações à contraceção hormonal de acordo com a World Health Organization’s Medical Eligibility Criteria for Contraceptive Use e a pressão arterial e o índice de massa corporal (IMC) da utente são também avaliados antes do fornecimento do método contracetivo.

Em Portugal, o acesso a métodos contracetivos é promovido através dos centros de saúde e consultas de planeamento familiar hospitalar. Além disso qualquer método contracetivo é gratuito se fornecido nesses locais. Portanto, muitos dos fatores que limitam o acesso a contraceção hormonal nos EUA não se aplicam a Portugal. Contudo, há que considerar outros fatores como dificuldade ou falta de tempo para agendamento de consulta e as adolescentes podem sentir-se pouco inclinadas a recorrer ao seu médico de família com medo de que os seus pais tomem conhecimento.

Neste contexto, torna-se importante ponderar a instituição de mecanismos que permitam um acesso mais fácil e universal a métodos contracetivos, como a possibilidade da sua obtenção nas farmácias comunitárias, instalações que estão presentes em todas as comunidades.

Sendo assim, e de forma a aumentar a acessibilidade das utentes a contraceção, parece imprescindível a criação de protocolos, questionários ou checklists que permitam às próprias utentes e aos farmacêuticos a identificação de contraindicações ao uso de contracetivos hormonais. Verificando-se o seu benefício e a ausência de risco significativo acrescido, poderia no futuro ponderar-se a distribuição de contracetivos hormonais nas farmácias comunitárias em Portugal. Com medidas deste tipo poderíamos abranger uma maior população e diminuir as taxas de gravidez indesejada no nosso país.



Bibliografia e referências: