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Relação entre depressão, cognição e aparelho cardiovascular



A depressão pode ser responsável por declínio cognitivo e problemas cardiovasculares1,2. Esta ligação, conhecida por dados epidemiológicos e estudos de comorbilidades, tem sido ampliada por achados fisiopatológicos recentes3,4.

Estes dados confirmam e levam a compreensão destas ligações a outro patamar. Quanto mais se conhece sobre a fisiopatologia da depressão mais se constata que existem aspetos biológicos partilhados entre os aparelhos cardiovascular, cognitivo e do humor. Estes sistemas partilham pontes fisiopatológicas comuns e podem-se influenciar mutuamente quando entram em disfunção.

Se é verdade (e não é uma novidade) que o nosso corpo é um sistema biológico integrado, não deixa de ser também verdade que a saúde mental tende a ser negligenciada quando existem múltiplos problemas orgânicos a tratar num mesmo indivíduo. Devemos ser menos sectários e herméticos na abordagem a estas patologias. Existe evidência crescente da proximidade fisiológica (e fisiopatológica) entre vários sistemas do nosso organismo, especialmente verdade entre o humor, o aparelho cardiovascular e a cognição.

Défices cognitivos estão intimamente ligados à clínica do síndrome depressivo1 podendo ser umas das primeiras formas de manifestação desta perturbação de humor. Adicionalmente, está demonstrado que sofrer de depressões repetidas ao longo da vida constitui um factor de risco para desenvolver processos demenciais mais tarde na vida5. Sabe-se hoje que depressão é neurotóxica e pode contribuir para processos neurodegenerativos constituindo um risco para perturbação cognitiva crónica. Quanto ao aparelho cardiovascular, apesar do coração e da mente no sentido poético e popular serem descritos muitas vezes como tendo “vontades opostas”, do ponto de vista fisiopatológico, esta ideia não podia estar mais longe da verdade.

O síndrome de Takotsubo6 é um exemplo da forma como a mente e os afetos podem ter um poder tão grande sobre a fisiologia. Esta patologia, conhecida vulgarmente por síndrome do coração partido, trata-se de um síndrome precipitado por angústia súbita e marcada que origina uma miocardiopatia com aspetos muito particulares, podendo inclusive conduzir à morte. E este é apenas um exemplo.

Entre outros temos que sintomas depressivos estão diretamente correlacionados com variações no marcador de prognóstico para a insuficiência cardíaca, o NT-proBNP, e indiretamente com a própria função cardíaca (medida pela fração de ejeção ventricular)7. E poderíamos continuar com mais exemplos que abundam na literatura. Um dos desafios nesta área prende-se com a necessidade de se esclarecer quais dos mecanismos interligados entre si será chave, para se travar a imensa cascata fisiopatológica que se desregula nestas interações. O stress oxidativo parece ser crucial neste processo8,9,10, podendo estar ligado à diminuição do BDNF, à redução da biodisponibilidade de óxido nítrico e à disfunção endotelial, aumenta a peroxidação lipídica, além de estar interligado aos processos de inflamação.

Todos estes mecanismos são lesivos ou ajudam a perpetuar estas condições patológicas. Contudo, até estes aspetos estarem esclarecidos e se desenvolverem armas terapêuticas específicas, a nossa melhor arma contra a progressão destas patologias (e seus mecanismos fisiopatológicos lesivos) é a prevenção. Um estudo realizado por múltiplos especialistas na área das demências a nível mundial e publicado na revista Lancet afirma que temos capacidade de prevenir até um terço das demências11, 12.

Como?

Em primeiro lugar, existe um grande foco na recomendação na prática de atividade física. Já se sabe ser um tratamento complementar antidepressivo que devemos instituir nos nossos doentes com depressão e, neste caso, está destacado sendo uma actividade que ajuda na prevenção de processos demenciais. O exercício físico tem uma poderosa ação reguladora do ritmo circadiano, baixa os níveis de cortisol, é anti-inflamatório, antioxidativo e aumenta as monoaminas e endorfinas, entre outros efeitos benéficos. Para prevenir quadros demenciais está igualmente recomendado aumentar a reserva cognitiva, estimulando a cognição. Socializar é outro aspeto apontado pelos especialistas que ajuda a prevenir declínio cognitivo. Adicionalmente, e como mais um forte testemunho à referida tríade biológica, para baixar a probabilidade do défice cognitivo foi demonstrado que se deve tratar o sistema cardiovascular, concretamente, reduzir a hipertensão e a obesidade, parar de fumar e controlar a existência de diabetes. Finalmente e na mesma linha, para prevenir e impedir a degeneração cognitiva é recomendado tratar as perturbações de humor ao longo da vida, em concreto a depressão, reduzindo assim a possibilidade de demência.

Todas estas evidências demonstram que se quisermos dar a devida atenção (e tratar) um défice num destes vértices (humor, cognição e aparelho cardiovascular) devemos obrigatoriamente olhar para os outros dois. A depressão por constituir um vetor comum com potencial para afetar todas estas esferas deve, portanto, ser um alvo prioritário de intervenção sempre que se verificar.


Bibliografia e referências:

  1. Marvel CL, Paradiso S. Cognitive and neurological impairment in mood disorders. The Psychiatric clinics of North America. 2004;27(1):19-viii.
  2. Dhar AK, Barton DA. Depression and the Link with Cardiovascular Disease. Frontiers in psychiatry. 2016;7:33-.
  3. Halaris A. Inflammation-Associated Co-morbidity Between Depression and Cardiovascular Disease. Curr Top Behav Neurosci. 2017;31:45-70.
  4. Zuzarte P, Duong A, Figueira ML, Vitali AC, Scola G. Current therapeutic approaches for targeting inflammation in depression and cardiovascular disease. Current Drug Metabolism. 2018;19.
  5. Orgeta V, Mukadam N, Sommerlad A, Livingston G. The Lancet Commission on Dementia Prevention, Intervention, and Care: a call for action. Ir J Psychol Med. 2019;36(2):85-8.
  6. Kato K, Lyon AR, Ghadri JR, Templin C. Takotsubo syndrome: aetiology, presentation and treatment. Heart. 2017;103(18):1461-9.
  7. Zuzarte P, Scola G, Duong A, Kostiw K, Figueira ML, Costa-Vitali A. NT-proBNP is a potential mediator between reduced ejection fraction and depression in patients with heart failure. Journal of Psychiatric Research. 2018;104:8-15.
  8. Khansari N, Shakiba Y, Mahmoudi M. Chronic inflammation and oxidative stress as a major cause of age-related diseases and cancer. Recent Pat Inflamm Allergy Drug Discov. 2009;3(1):73-80.
  9. Cervantes Gracia K, Llanas-Cornejo D, Husi H. CVD and Oxidative Stress. Journal of clinical medicine. 2017;6(2):22.
  10. Csányi G, Miller FJ, Jr. Oxidative stress in cardiovascular disease. International journal of molecular sciences. 2014;15(4):6002-8.
  11. Montero-Odasso M, Ismail Z, Livingston G. One third of dementia cases can be prevented within the next 25 years by tackling risk factors. The case "for" and "against". Alzheimers Res Ther. 2020;12(1):81.
  12. Livingston G, Huntley J, Sommerlad A, Ames D, Ballard C, Banerjee S, et al. Dementia prevention, intervention, and care: 2020 report of the Lancet Commission. Lancet. 2020;396(10248):413-46.