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Diabetes: os novos desafios para as melhores consequências em saúde


Dra. Angela Neves | Medicina Geral e Familiar

Unidade de Saúde Familiar de Santa Maria


A diabetes é uma doença multiorgânica com prevalência crescente.

Em Portugal a prevalência de diabetes em pessoas dos 20 aos 79 anos era de 13,3%. Estima-se que a diabetes esteja associada a um perda de 18.6 QUALYs para os homens e 22 para as mulheres com uma perda de 8 anos de vida(Engelmann et al., 2016). Assim como a prevalência da diabetes tem estado aumentar também o consumo de medicamentos tem registado uma subida associada a um aumento dos custos: 269% face ao crescimento efectivo quantificado em termos de embalagens (+66%)(Sociedade Portuguesa de Diabetologia, 2016), embora esta não seja a melhor forma de o fazer, sendo necessário estudos que permitam perceber a dinâmica de crescimento de Doses Diárias Definidas/1000habitantes/dia. Na abordagem da pessoa com diabetes é por vezes o caminho mais fácil a prescrição de “mais um comprimido” na tentativa de controlar o metabolismo glicídico e prevenir complicações.

Este ano a ADA no seu documento Standards of Medical Care faz menção a uma abordagem mais centrada na pessoa. Segundo a mesma fonte as decisões terapêuticas na diabetes devem ser calendarizadas e baseadas em recomendações ou normas com evidência em acordo com as pessoas que sofrem de diabetes segundo as suas preferências individuais, prognóstico e multimorbilidade(American Diabetes Association, 2017).

Os médicos devem sempre considerar a “carga” de tratamento e a “auto-eficácia” no momento de os recomendar devendo os planos terapêuticos seguir o modelo de gestão da doença crónica criando interacções positivas entre equipa pró activa e pessoa com diabetes bem informada. Os sistemas de cuidados devem apoiar as equipas cuidadoras, o envolvimento da comunidade, os registos cuidados e metodologias de suporte à decisão conjunta.

Os orçamentos em saúde e os recursos são limitados pelo é uma necessidade dos decisores por um lado fazer um controlo da despesa e por outro fazer uma gestão de recursos custo efectiva. Desta forma foi implementado um sistema de monitorização baseado em indicadores. É importante reflectir sobre os mesmos mormente naquilo que medem e se o que estão a medir é o que realmente importa medir. A ACSS apresenta-nos uma lista de vários indicadores centrados em várias vertentes(ACSS Ministério da Saúde, 2016):

  • controlo glúcidico (proporção de diabéticos com última HbA1c <= 8% e diabéticos com menos de 65 anos com HbA1c <= 6,5)
  • actividades realizadas (diabéticos com HbA1c por semestre, com consulta enfermagem de vigilância de diabetes no último ano, com registo de Gestão de regime terapêutico, com exame de pés no último ano, com microalbuminúria no último ano, com exame oftalmológico no último ano)
  • prescrição farmacológica (prescrição de metformina em monoterapia, proporção de diabéticos com terapêutica com insulina
  • despesa (rácio despesa facturada DPP-4 e antidiabéticos orais)
  • resultados (incidência de amputações major membros inferiores último ano)

Estes indicadores podem ser agrupados em indicadores mais latos designados por índice de acompanhamento adequado que não é mais que a junção de vários indicadores sujeitos a uma ponderação a partir do qual obtemos um valor de cumprimento final.

Mas o que nos interessa medir?

O que queremos nós para os nossos doentes?

O que querem os nossos doentes?

O que quer a tutela com os resultados das nossas consultas?

O médico na consulta tem os seus objectivos e deve explicar ao doente os mesmos da mesma forma que deve questionar o doente sobre as suas ideias relativamente aos objectivos apresentados e aos seus próprios objectivos.

Muitas vezes e de forma transversal aos vários intervenientes nos cuidados à pessoa com diabetes é dada muita importância ao controlo glicémico mas qual o valor efectivo desta intervenção?

Valerá a pena descer até que valores?

Haverá outras medidas que tenham mais impacte?

De forma simplista apresentamos 5 intervenções para a pessoa com diabetes e avaliamos o seu impacte.

Primeira medida e aquela com mais impacte: A cessação tabágica. Efectivamente comparando 5 intervenções: cessação tabágica, controlo da pressão arterial, terapêutica com metformina, controlo da dislipidemia e controlo glicémico, é a cessação tabágica que apresenta um NNT (11 em 10 anos)(Hughes, 2010) menor para diminuir a mortalidade.(Erlich DR, Slawson DC, 2014)

Segunda medida: alinhar agendas por forma a não nos esquecermos de importantes intervenções nomeadamente cessação tabágica em detrimento do controlo estrito e isolado do metabolismo glicémico. É tarefa do médico de família realinhar agendas: a nossa, da tutela e muito importante a do consulente que deve estar no centro dos nossos cuidados.

Terceira medida: o que deseja o nosso consulente para a sua gestão de doença? Deixar de tomar comprimidos, não utilizar insulina, não ter dores, «ganhar mobilidade? Neste ponto outra questão nos surge: como avaliar as necessidades individuais e da família? É importante tratarmos, não existem dúvidas em relação a isso, mas temos de ir mais além e conhecermos mais profundamente os nossos doentes: o que sabem, o que julgam que sabem, que poder/ capacidade têm para serem eficazes no cuidar da sua diabetes. E do outro lado o que sabemos nós e o que podemos fazer pelos nossos doentes e o que esperar dos fármacos que usamos.

Quarta medida: Quebrar a tradição e modificar a nossa comunicação e abordagem. Podemos socorrer-nos de escalas validadas para a língua portuguesa que avaliam diferentes aspectos da pessoa com diabetes. Apresentamos 4 escalas validadas para a língua portuguesa e que podem ser uma ajuda preciosa na nossa consulta: DKT (Diabetes Knowledge Test), DES SF (Diabetes Empowerment Scale Short Form), DHP (Diabetes Health Profile) e EQ-5D EuroQol 5. O DKT permite avaliar o conhecimento que a pessoa com diabetes tem sobre a doença. Boas escolhas implicam conhecimento apesar de conhecimento não significar boa adesão ou controlo. Na gestão do risco por parte do doente são importantes as decisões informadas que estão directamente relacionadas com o conhecimento. Este teste é constituído por um total de 23 questões: 14 aplicáveis a todas as pessoas com diabetes e 9 aplicáveis aos insulinotratados. A gestão da doença implica colaboração do próprio em termos de atitudes, empenho e motivação. A DES na sua versão reduzida (DES SF) é composta por 8 itens que pretendem medir a capacidade auto percebida dos doentes no autocontrolo da diabetes. O DHP avalia o impacto psicológico e comportamental com avaliação de 3 domínios: psicológicos, barreiras e actividade. Nesta escala quanto maior o valor menor a percepção de qualidade de vida. Por último o EQ 5D avalia 5 dimensões de qualidade de vida: mobilidade, cuidados pessoais, atividades habituais, dor/ mal estar e ansiedade/ depressão. Associada a escala existe um “termómetro” que pretende quantificar a qualidade de vida actual percebida pelo próprio.

Quinta medida: Transmitir informação de forma efectiva. A transmissão de informação não é sinónimo de aquisição de conhecimento e envolve competências emocionais, cognitivas e comportamentais e conhecimentos factuais que por sua vez levam a literacia em saúde. As pessoas preferem o envolvimento nas suas decisões e desejam mais informação sendo que os profissionais de saúde nomeadamente os médicos sobrestimam a informação que dão. A informação deveria ser prescrita tal como se faz para exames e medicamentos contudo é uma tarefa que implica uma sobrecarga adicional de tarefas numa agenda limitada em termos temporais.