Mitos no tratamento da obstipação: os laxantes de contacto causam dependência?
Os laxantes de contacto não causam dependência. Os fármacos que causam dependência atravessam a barreira hemato-encefálica e atuam no sistema nervoso central afetando localmente o sistema dopaminérgico1. A maioria dos laxantes de contacto não é absorvida e nenhum passa a barreira hemato-encefálica. Como tal não existe base farmacológica para causarem dependência2.
Geralmente são os doentes com distúrbios psiquiátricos que abusam dos laxantes, maioritariamente devido a uma crença errada de que os laxantes contribuem para a perda de peso3,4.
Quando tomados de acordo com a posologia correta os laxantes de contacto também não causam tolerância: um estudo retrospectivo em doentes paraplégicos (n=101) demonstrou que a toma a longo prazo [média 14,8 anos (2-34 anos)] de bisacodilo, (comprimido e supositórios) não causou habituação ou tolerância. Não houve necessidade de aumentar a dose, nem se registaram acontecimentos adversos graves5.
Um estudo de Bengtsson et al, demonstrou que a toma a longo prazo de picossulfato de sódio não causou tolerância (n= 35, média duração tratamento 10 anos, com alguns doentes a serem tratados durante mais de 20 anos): 50% dos doentes aumentaram moderadamente a dose (12 gotas) sem contudo ultrapassar a dose máxima recomendada6.
Num outro estudo em doentes hospitalizados (n= 80) também não se observou tolerância após a toma de picossulfato de sódio7.
Nestes dois últimos estudos, a dose foi reduzida em muitos doentes sem perda de eficácia e não se registaram alterações no equilíbrio electrolítico nem acontecimentos adversos graves.
Também não existe evidência que sugira o agravamento da obstipação (efeito “rebound”) em doentes que interrompam a toma de laxantes de contacto após a sua administração por períodos prolongados3.
Bibliografia e referências:
- Wald A, Wald. Constipation in the primary care setting: current concepts and misconceptions. Am J Med 2006; 119: 736-739.
- Bove A, Bellini M, Battaglia E, et al. Consensus statement AIGO/SICCR diagnosis and treatment of chronic constipation and obstructed defecation (part II: treatment). World J Gastroenterol. 2012; 18(36): 4994-5013.
- Muller-Lissner SA, Kamm MA, Scarpignato C, et al. Myths and misconceptions about chronic constipation. Am J Gastroenterol 2005;100:232–242
- Wald A. Is chronic use of stimulant laxatives harmful to the colon? J Clin Gastroenterol 2003; 36(5): 386-389.
- Ruidisch M, Hutt H-J, Konig E. Long-term laxative treatment with bisacodyl. Efficacy and tolerability in patients with spinal cord injuries. Arztliche Forschung 1994; 41
- Bengtsson M, Ohlsson B. Retrospective study of long-term treatment with sodium picosulfate. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2004; 16: 433-434.
- Schultz-Merkel D. Eine Studie zur Anwendung von Natriumpicosulfat bei Krankenhauspatienten. Der informierte Artz 1978; 6: 71-73