Como tratar a síndrome do intestino irritável nos cuidados de Saúde Primários?
Os distúrbios gastrointestinais funcionais, também conhecidos como distúrbios do eixo intestino-cérebro, são patologias muito prevalentes. A síndrome do intestino irritável (SII) afeta cerca de 5% da população mundial, variando entre 1-35% de acordo com o país e os critérios utilizados. O seu diagnóstico deve ser realizado pela positiva, através duma abordagem sistematizada, pela presença dos critérios diagnósticos definidos pelo consenso de Roma IV, na ausência de sintomas/sinais de alarme, após um estudo analítico limitado.
Uma vez estabelecido o diagnóstico, o objetivo do tratamento passa pela melhoria das sintomas e da qualidade de vida. As alterações de estilo de vida são um componente fundamental, sendo recomendada a redução do stress, uma boa higiene do sono, a realização de atividade física e alterações dietéticas.
Em termos farmacológicos, as opções a utilizar dependem do sub-tipo de SII. No caso do SII com predomínio de diarreia (SII-D), os probióticos podem ser utilizados apesar da heterogeneidade dos estudos a evidenciar o seu benefício, não sendo possível recomendar um probiótico em detrimento dos outros. A loperamida ajuda a reduzir o número de dejeções, podendo ser utilizada diariamente, se necessário, de modo fixo ou “on demand”. A rifaximina é um fármaco muito útil na SII-D, com vários estudos a demonstrar o seu benefício. Pode ser utilizada na dose de 550 mg (ou 400 mg) 3 vezes por dia, durante 14 dias. Poderá ser efetuado re-tratamento durante 7 dias na mesma dose, se se verificar recidiva das sintomas posteriormente. Apresenta avantagem de não sofrer absorção sistémica e, deste modo, não aumentar o risco de resistências aos antibióticos.
Na SII com predomínio de obstipação (SII-O), o reforço das fibras na dieta é um primeiro passo importante. A suplementação com psílio, uma fibra hidrossolúvel, apresenta alguma evidência de melhoria sintomática na SII-O. O polietilenoglicol, outra opção nesta síndrome, mostrou benefício em relação ao número de dejeções, mas não em termos de dor abdominal. A linaclotida, pelo contrário, demonstrou melhoria nos sintomas globais da SII-O, tanto na dor abdominal como no número de dejeções. O principal efeito adverso é a diarreia, em cerca de 20%, sendo possível reduzir a dose (por exemplo em dias alternados) na tentativa de manter o benefício clínico.
A dor abdominal na SII pode ser controlado através de antiespasmódicos como a mebeverina, brometo de otilónio ou butilescopolamina. O óleo de hortelã-pimenta também tem evidenciado benefício na dor abdominal na SII pela sua ação relaxante muscular. Em casos refractários, a introdução de antidepressivos tricíclicos está indicada, como por exemplo a amitriptilina (em doses baixas,10 mg, podendo ser aumentada até 50 mg), com benefício adicional na SII-D pelo seu efeito obstipante.
Destaca-se ainda a importância da explicação básica dos mecanismos fisiopatológicos da síndrome do intestino irritável, do seu carácter crónico mas não progressivo e dos objetivos do tratamento em relação as sintomas e qualidade de vida de forma a uma maior compreensão e aceitação do diagnóstico, bem como alinhamento das expetativas do tratamento.
Bibliografia e referências:
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