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Como diferenciar a tristeza da depressão?


Dra. Céu Ferreira | Psiquiatria

Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde


A depressão é uma entidade clínica complexa e heterógenea com critérios diagnósticos estabelecidos1 e que pode integrar sintomas de vários domínios: emocional (tristeza, ansiedade, irritabilidade, perda de interesse, culpa, apatia, pessimismo, ausência de prazer), físico (fadiga, alterações do sono, alterações gastrointestinais, alterações do apetite, cefaleias, dor, disfunção sexual, agitação) e cognitivo (falta de concentração, indecisão, dificuldades no planeamento e organização, alterações da memória e raciocínio lento)1,2.

Na prática clínica podem ocorrer dificuldades diagnósticas, nomeadamente quando ainda se tende a associar de forma taxativa a tristeza ao diagnóstico de depressão. É fundamental que tenhamos em consideração que a tristeza pode efectivamente ser um dos sintomas de depressão1 mas é antes de tudo uma emoção básica transversal a todos os seres humanos tal como a alegria, a raiva, a aversão, a surpresa, o medo e o desprezo3. De facto, todos nós já nos sentimos tristes e isso não significa que estivéssemos deprimidos. Torna-se assim importante distinguir a tristeza enquanto emoção normativa da tristeza patológica integrante de um quadro depressivo3,4:

1) Etiologia

A tristeza geralmente apresenta um estímulo desencadeante e é reactiva a esse evento4. A depressão tem uma etiologia multifactorial e resulta da interação de vários factores, incluindo factores genéticos, biológicos e ambientais, mas podem não ser identificados eventos precipitantes5.

2) Duração

A tristeza apresenta uma duração ajustada ao evento que a desencadeou, normalmente horas ou alguns dias, sendo por isso transitória e não é necessário tratamento4. Na depressão, a tristeza está presente de forma constante pelo menos durante 2 semanas e quase todos os dias1. A depressão sendo uma doença deve ser tratada, pois sem o tratamento adequado, os sintomas podem prolongar-se durante anos, tendendo à cronicidade6.

3) Intensidade

A tristeza pode nalguns casos influenciar temporariamente mas de forma ligeira as actividades diárias. Na depressão há uma alteração permanente do funcionamento prévio e interfere de forma intensa nos vários aspectos da vida da pessoa (familiar, pessoal, profissional, escolar, social…), causando-lhe sofrimento1.

4) Sinais e sintomas associados

Na tristeza por norma, não há outros sintomas associados. Na depressão são identificados outros sintomas para além da tristeza. Assim, 5 ou mais dos seguintes sintomas devem estar presentes1:

  • Humor deprimido durante a maior parte do dia
  • Diminuição acentuada do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades durante a maior parte do dia
  • Ganho ou perda ponderal significativos (superior a 5%)
  • Diminuição ou aumento do apetite
  • Insónia ou hipersónia
  • Agitação ou lentificação psicomotora
  • Fadiga ou perda de energia
  • Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada
  • Capacidade diminuída de pensar, concentrar-se ou decidir
  • Pensamentos recorrentes de morte ou suicídio, tentativa de suicídio ou um plano específico para cometer o suicídio

Obrigatoriamente um destes sintomas deve estar presente - humor depressivo e/ou perda acentuada do interesse ou do prazer1.

De facto, compreender que tristeza e depressão não são sinónimo é prioritário para evitar sobrediagnósticos de depressão, patologizando estados emocionais normativos que não têm indicação para iniciar tratamento com fármacos antidepressivos.

Por outro lado, diagnosticar correctamente as perturbações depressivas e tratá-las precocemente e de forma adequada é também uma prioridade inequívoca nos cuidados de saúde primários. Caso contrário, a remissão incompleta associada a sintomas residuais na depressão, nomeadamente os sintomas cognitivos, acarreta maior risco de recaída depressiva, maior consumo de recursos de saúde e pior prognóstico de outras doenças médicas crónicas6,7.


Bibliografia e referências:

  1. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Health Disorders. 5th ed. Washington, DC: American Psychiatric Association; 2013.
  2. Marazziti D, Consoli G, Picchetti M, Carlini M, Faravelli L. Cognitive impairment in major depression. Eur J Pharmacol. 2010 Jan 10;626(1):83-6.
  3. Dyer AR. When Is Sadness a Sickness? Perspect Biol Med. 2021;64(4):587-591
  4. Arias JA, Williams C, Raghvani R, Aghajani M, Baez S, Belzung C, Booij L, Busatto G, Chiarella J, Fu CH, Ibanez A, Liddell BJ, Lowe L, Penninx BWJH, Rosa P, Kemp AH. The neuroscience of sadness: A multidisciplinary synthesis and collaborative review. Neurosci Biobehav Rev. 2020 Apr;111:199-228.
  5. Wong ML, Licinio J. Research and treatment approaches to depression. Nat Rev Neurosci. 2001 May;2(5):343-51.
  6. Trivedi MH, Hollander E, Nutt D, Blier P. Clinical evidence and potential neurobiological underpinnings of unresolved symptoms of depression. J Clin Psychiatry. 2008 Feb;69(2):246-58.
  7. Moussavi S, Chatterji S, Verdes E, Tandon A, Patel V, Ustun B. Depression, chronic diseases, and decrements in health: results from the World Health Surveys. Lancet. 2007 Sep 8;370(9590):851-8.