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Novos conceitos na abordagem da infeção por Helicobacter pylori


Dr. Nuno Almeida | Gastrenterologia

Hospitais da Universidade de Coimbra


A infeção por Helicobacter pylori (H. pylori) acomete mais de 50% da população mundial, representando a infeção bacteriana mais comum na espécie humana. As taxas de prevalência são extremamente variáveis entre os diferentes países, mas continuam a ser muito elevadas em Portugal, cifrando-se nos 84,2% nos adultos, 66,2% nos adolescentes e 31,6% nas crianças. Ora, esta infeção é responsável pela ocorrência de manifestações clínicas e/ou complicações em 10 a 20% dos indivíduos infetados, sendo de salientar a úlcera péptica, o adenocarcinoma gástrico não cárdico e o linfoma MALT gástrico.

A correlação com o adenocarcinoma gástrico é, porventura, a mais preocupante, pois a bactéria H. pylori é responsável por 75 a 89% dos casos ocorridos anualmente, o que representa aproximadamente 750.000 novos casos. A OMS rotulou H. pylori como agente carcinogénico tipo I em 1994 sendo fácil constatar que, pela elevada prevalência registada no nosso país e pelo efeito de coorte, este microrganismo continuará a representar um problema de saúde público nas próximas décadas.

Inicialmente a infeção de forma isolada, não acompanhada por manifestações clínicas ou alterações endoscópicas/analíticas, não era considerada um critério para terapêutica específica, a não ser que o indivíduo infetado manifestasse vontade de ser tratado. Esta posição mudou radicalmente com os consensos de Kyoto 2015, em que se assumiu que a gastrite por H. pylori é uma doença infeciosa, independentemente das manifestações clínicas, e se deveria propor tratamento de erradicação a todos os doentes infetados. Esta nova filosofia foi reafirmada nos consensos de Maastricht 2017.

Deste modo, é necessário sugerir a realização de um esquema de erradicação de H. pylori em todos os infetados, mesmo que o diagnóstico tenha sido realizado fortuitamente. Contudo, tratando-se de uma infeção, só devemos utilizar combinações terapêuticas que proporcionem taxas de eficácia superiores a 90% (preferencialmente 95%). Ora, o esquema empírico triplo baseado na combinação de inibidor da bomba de protões (IBP), amoxicilina e claritromicina tem revelado taxas de sucesso sistematicamente inferiores a esse valor, pelo que não deve ser utilizado em Portugal.

A principal condicionante do sucesso terapêutica é a resistência de H. pylori aos agentes antimicrobianos utilizados. Em Portugal as resistências primárias aos macrólidos são de 21,4%, aos imidazóis de 29,1% e às fluoroquinolonas de 26,2%, com 5,8% das estirpes apresentando resistência simultânea à claritromicina e ao metronidazol. Isto implica, face ao fluxograma de escolha de regime terapêutico em função dos perfis de resistência, proposto por David Graham, que só deveremos utilizar esquemas quádruplos, com ou sem bismuto, (IBP, bismuto, tetraciclina e metronidazol no primeiro caso; IBP, amoxicilina, claritromicina e metronidazol no segundo caso).

O sucesso terapêutico também é fortemente condicionado pela adesão/compliance do doente, pelo que é extremamente importante explicar-lhe de forma detalhada em que consiste esta infeção, a razão para a utilização de tantos fármacos e os efeitos adversos mais frequentes.

Finalmente, a eficácia de qualquer regime terapêutico deve ser sempre avaliada a posteriori, com recurso preferencial a métodos não invasivos de pesquisa de H. pylori como o teste respiratório da ureia marcada com 13C ou 14C, ou a pesquisa de antigénios fecais. Só em situações excecionais, em que a realização da endoscopia digestiva alta está formalmente indicada, é que se recorre a esta técnica com colheita de biopsias.