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Tratar o doente com depressão: do alívio dos sintomas à recuperação do funcionamento


Dra. Ana Sofia Pinto | Psiquiatria

Sociedade Portuguesa de Psicodrama, Porto


Ao abordar a depressão temos de ter em consideração a dificuldade de caracterizar a própria doença na sua complexidade e diversidade de apresentação. Por vezes, o facto da apresentação da doença ser tão variada e heterogénea faz com que o médico(a) tenha de ter um conhecimento amplo do ponto de vista teórico, mas sobretudo que saiba na prática aplicar esses conhecimentos à pessoa em questão. Esta avaliação, no curto espaço de tempo de uma consulta, constituirá um verdadeiro desafio mesmo que ocorra no âmbito das consultas de Medicina Geral e Familiar onde haverá melhor conhecimento prévio da pessoa, da família e comunidade.

Acresce haver um contexto específico, devido à atual pandemia SARS-CoV-2 que constitui um importante dado novo, com um enorme impacto clínico, sociológico e económico. De facto, avoluma-se a quantidade de solicitações no âmbito dos cuidados de saúde e com parcos recursos, sendo notório um rebate importante na classe médica desta situação.

Assim, urge identificar os novos casos de depressão que surgem para podermos atempadamente intervir. Neste sentido há que ouvir o(a) doente procurando reconhecer os sintomas que conduzem a este diagnóstico. Nos critérios da DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Health Disorders)1 para perturbação depressiva major, os sintomas terão de se manter constantes por um período de 2 semanas e estar presentes quase todos os dias. Deve incluir 5 ou mais dos seguintes sintomas:

  • Humor deprimido durante a maior parte do dia
  • Diminuição acentuada do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades durante a maior parte do dia
  • Ganho ou perda ponderal significativo (> 5%)
  • Diminuição ou aumento do apetite
  • Insónia ou hipersónia
  • Agitação ou lentificação psicomotora observada por outros
  • Fadiga ou perda de energia
  • Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada
  • Capacidade diminuída de pensar
  • Concentrar-se ou indecisão
  • Pensamentos recorrentes de morte ou suicídio, tentativa de suicídio ou um plano específico para cometer suicídio.

Obrigatoriamente, deve estar presente um destes sintomas supracitados: humor depressivo e/ou perda acentuado do interesse ou do prazer e haver uma alteração do funcionamento prévio.

Na observação clínica deve ter-se em consideração esta multidimensionalidade das queixas e sintomas que poderão tentar sistematizar-se em 3 grandes áreas: comportamento, cognitivo-emocional e somática. Deste atingimento global resulta um impacto funcional importante. E este será o ponto de partida para a necessidade de diagnosticar e iniciar tratamento.

Um avanço considerável será garantirmos que na maioria das situações o tratamento dos episódios depressivos possa ser efetuado ao nível dos cuidados de saúde primários. Os médicos (as) de família enquanto garante da saúde dos seus utentes, nas suas várias componentes, constituem um ponto primordial de intervenção nas doenças mentais, tendo em consideração a importância que a depressão tem nos indicadores de saúde e o seu impacto no agravamento de patologias crónicas preexistentes2.

Através de um caso clínico de uma mulher de 69 anos, com quadro depressivo e ansioso, no contexto do diagnóstico de uma doença neurodegenerativa, mais concretamente uma atrofia cortical posterior, foi possível compreender a importância de tratar a sintomatologia depressiva podendo assim promover um melhor prognóstico clínico. Os sintomas cognitivos nos seus vários domínios (atenção, memória, velocidade de processamento e função executiva) são muito prevalentes nos doentes deprimidos3 e podem persistir além do tratamento da depressão4 pelo que este aspecto deve nortear um plano terapêutico estruturado no combate a este declínio, em termos neuropsicológico e farmacológico, motivo pelo qual se introduziu a vortioxetina, pelo seu mecanismo de ação multimodal, com um perfil favorável de interações medicamentosas, a nível de ganho ponderal e impacto na esfera sexual, o que constitui mais valia importante nesta situação.

Num segundo caso clínico, um jovem de 25 anos, apresenta um quadro depressivo grave, com ideação suicida, apurando-se haver um contexto de ruptura relacional de uma relação muito significativa. Apurava-se ainda um contexto de isolamento social e ausência rede familiar próxima, bem como uma perda da sua funcionalidade prévia, nomeadamente em termos laborais, o que tornava a situação mais preocupante e agudizava a necessidade de intervenção médica. Na discussão deste plano terapêutico assumiu maior destaque a necessidade de abordar a ideação suicida e averiguar o risco. A forma de procurar intervir na ideação suicida e qual a atitude psicoterapêutica a ter. Do ponto de vista psicofarmacológico, a necessidade de intervir de forma célere, não só na depressão, mas também na ansiedade, preservando as áreas mais funcionantes e essenciais ao doente, nomeadamente a intimidade e a sua capacidade profissional.

A importância da recuperação funcional promove como um objectivo clínico fundamental a ausência de sintomatologia depressiva e recuperação do funcionamento ao nível pré-mórbido, de forma a conseguir-se assim um menor risco de recaída, não esquecendo que doentes com sintomas residuais terão um risco 3 vezes superior de terem novo episódio depressivo5, conduzindo assim a uma situação de recorrência e cronicidade depressiva.

Afigura-se de primordial importância tratar a depressão de forma o mais precoce e eficaz possível uma vez que é a primeira causa de incapacidade global entre todas as doenças mentais, neurológicas e de abuso de substâncias6 e que a OMS prevê que até 2030 a depressão será a causa principal de incapacidade e carga de doença em todo o mundo7.


Bibliografia e referências:

  1. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Health Disorders. 5th ed. Washington, DC: American Psychiatric Association; 2013.
  2. Moussavi S, Chatterji S, Verdes E, Tandon A, Patel V, Ustun B. Depression, chronic diseases, and decrements in health: results from the World Health Surveys. Lancet. 2007 Sep 8;370(9590):851-8.
  3. Fehnel SE, Forsyth BH, DiBenedetti DB, Danchenko N, François C, Brevig T. Patient-centered assessment of cognitive symptoms of depression. CNS Spectr. 2016 Feb;21(1):43-52.
  4. Conradi HJ, Ormel J, de Jonge P. Presence of individual (residual) symptoms during depressive episodes and periods of remission: a 3-year prospective study. Psychol Med. 2011 Jun;41(6):1165-74.
  5. Paykel ES, Ramana R, Cooper Z, Hayhurst H, Kerr J, Barocka A. Residual symptoms after partial remission: an important outcome in depression. Psychol Med. 1995 Nov;25(6):1171-80.
  6. Collins, P., Patel, V., Joestl, S. et al. Grand challenges in global mental health. Nature 475, 27–30 (2011).
  7. World Health Organization. 2011. "Global burden of mental disorders and the need for a comprehensive, coordinated response from health and social sectors at the country level"