Publicidade banner-canal-diabetes-en-la-red-pt

Quais são as recomendações e riscos do uso de antidepressivos durante a gravidez?


Dra. Céu Ferreira | Psiquiatria

Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde


As perturbações afetivas são as doenças psiquiátricas mais frequentes na mulher em idade fértil e é consensualmente conhecido que eventos vivenciais como a gravidez podem desencadear ou descompensar estas patologias1.

Ainda assim, é frequente na prática clínica a subestimação e subdiagnóstico da depressão durante a gravidez, bem como das consequências materno-fetais resultantes da ausência do tratamento antidepressivo adequado.

De facto, a depressão pré-natal não tratada é um dos fatores de risco mais relevantes para o desenvolvimento de depressão no período pós-parto, sendo que esta pode ter consequências potencialmente devastadoras, como o suicídio e o infanticídio2.

Além disso, sabe-se também que grávidas com depressão não tratada tendem a apresentar alguns comportamentos disfuncionais como o aumento excessivo de peso, a alimentação pouco saudável, o consumo de álcool e os hábitos tabágicos que se constituem de risco para intercorrências materno-fetais3,4.

Assim, na prática clínica gerir adequadamente o tratamento da depressão na grávida é essencial. A equipa médica em contacto próximo com a grávida com depressão, incluindo os médicos de Medicina Geral e Familiar, de Ginecologia e Obstetrícia e de Psiquiatria, representam uma importante fonte de informação para desmistificar o tratamento antidepressivo na gestação.

Assim, uma aliança terapêutica sólida entre a grávida, o médico de família, o obstetra e o psiquiatra é essencial para o cumprimento farmacológico adequado e compensação da patologia depressiva durante a gravidez e puerpério, com benefício inequívoco para a mãe e recém-nascido e que se traduz no adequado autocuidado da mãe, no cumprimento da vigilância de saúde da grávida e puérpera bem como nos cuidados que esta presta ao recém-nascido e cumprimento do programa de saúde infantil5.

Obviamente que o risco de teratogenicidade constitui uma das maiores preocupações relacionadas com o tratamento farmacológico. O período de maior risco na gravidez situa-se entre a 8ª e a 12ª semanas, quando os principais órgãos fetais estão a ser formados. Se for necessária a prescrição de antidepressivos durante este período, estes deverão ser usados e na dose mínima necessária para a estabilização psicopatológica1.

O fenómeno de “adaptação neonatal” é também uma preocupação associada ao uso de fármacos antidepressivos na gravidez, cujo quadro clínico inclui no recém-nascido taquipneia, taquicardia e tremor. Estes sintomas geralmente são ligeiros e transitórios, resolvendo espontaneamente nos primeiros dias após o nascimento. Contudo, em 13% dos casos, os sintomas podem ser graves, constituindo uma síndrome de abstinência neonatal e que necessita de cuidados neonatais especializados6. No caso particular dos antidepressivos da classe dos inibidores selectivos da recaptação da serotonina (SSRIs), a síndrome de abstinência neonatal é mais frequente com fármacos com tempos de semi-vida plasmáticos curtos6, como é o caso da paroxetina.

Na abordagem da depressão na gravidez as estratégias de tratamento devem ser sempre individualizadas e ponderadas caso a caso, tendo em conta também as potenciais complicações (Tabela 1).

Tabela 1: Fármacos antidepressivos e as potenciais complicações durante a gravidez1,2,3,4,5,7.
Antidepressivo Complicações potenciais

1. Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (SSRIs)

Fluoxetina
Escitalopram
Citalopram
Paroxetina
Sertralina
Fluvoxamina

Ligeiro aumento do risco de aborto espontâneo, parto pré-termo e baixo peso ao nascer
Sem anomalias congénitas associadas, exceto ligeiro aumento do risco de malformações cardíacas se sob paroxetina no 1º trimestre
Síndrome de dificuldade na adaptação neonatal, se sob SSRI no 3º trimestre (surge em 30%)
Ligeiro aumento do risco de hipertensão pulmonar persistente no recém-nascido se sob SSRIs no 3º trimestre-evidência inconsistente

2. Inibidores da Recaptação de Serotonina e Noradrenalina (SNRIs)

Duloxetina
Venlafaxina

Hipertensão gestacional (maior risco se doses mais elevadas)
Ligeiro aumento do risco de aborto espontâneo
Síndrome de dificuldade na adaptação neonatal, se sob SNRI no 3º trimestre
Ligeiro aumento do risco de hipertensão pulmonar persistente no recém-nascido se sob SNRI no 3º trimestre-evidência inconsistente

3. Tricíclicos

Amitriptilina
Nortriptilina
Clomipramina
Imipramina
Maprotilina
Dosulepina

Não estão contra-indicados durante a gravidez, mas não são considerados como primeira linha sobretudo pelos seus efeitos secundários.
Evitar a clomipramina-casos de prolongamento do QT neonatal e torsades de pointes

4. Outros

Bupropiom
Mirtazapina
Trazodona
Vortioxetina

Bupropiom: aumento do risco de aborto espontâneo; deve ser evitado na gravidez
Mirtazapina: dados insuficientes para considerar uma opção de primeira linha, apesar desta apresentar propriedades antieméticas e existirem relatos da sua utilização em casos de hiperémese gravídica
Trazodona: não deve ser usada na gravidez
Vortioxetina: poucos dados na gravidez

Em todas as grávidas com depressão é essencial:

  • Envolver o casal em todas as decisões terapêuticas
  • Informar que mesmo em mulheres saudáveis há risco de complicações na gestação e de malformações fetais
  • Alertar para o impacto negativo da depressão não tratada sobre a gravidez e puerpério
  • Prescrever em monoterapia o antidepressivo com o menor risco conhecido para a grávida e feto e na menor dose eficaz (aumentos de dose são frequentemente necessários no terceiro trimestre)
  • Explicar os potenciais riscos descritos na literatura associados ao fármaco antidepressivo prescrito
  • Evitar transmitir mensagens pouco claras e de receio quando se prescreve o antidepressivo, pois estas contribuem para que a grávida fique relutante relativamente aos efeitos no feto com risco até de suspensão abrupta por receio da sua teratogenicidade
  • Informar a equipa obstétrica e de neonatologia sobre os antidepressivos prescritos durante a gravidez


Bibliografia e referências:

  1. Bałkowiec-Iskra E, Mirowska-Guzel DM, Wielgoś M. Effect of antidepressants use in pregnancy on foetus development and adverse effects in newborns. Ginekol Pol. 2017;88(1):36-42.
  2. Betcher HK, Wisner KL. Psychotropic Treatment During Pregnancy: Research Synthesis and Clinical Care Principles. J Womens Health (Larchmt). 2020 Mar;29(3):310-318.
  3. Biffi A, Cantarutti A, Rea F, Locatelli A, Zanini R, Corrao G. Use of antidepressants during pregnancy and neonatal outcomes: An umbrella review of meta-analyses of observational studies. J Psychiatr Res. 2020 May;124:99-108
  4. Payne JL. Psychopharmacology in Pregnancy and Breastfeeding. Med Clin North Am. 2019 Jul;103(4):629-650.
  5. Williams S, Bruxner G, Ballard E, Kothari A. Prescribing antidepressants and anxiolytic medications to pregnant women: comparing perception of risk of foetal teratogenicity between Australian Obstetricians and Gynaecologists, Speciality Trainees and upskilled General Practitioners. BMC Pregnancy Childbirth. 2020 Oct 14;20(1):618.
  6. Corrêa F, Chaves F, Voutsen O, Berenguer A, Silva P. Sertraline in Pregnancy: Not that Innocuous. Report of Two Cases and Review of the Literature. Lusiadas Scientific Journal.
  7. Raffi ER, Nonacs R, Cohen LS. Safety of Psychotropic Medications During Pregnancy. Clin Perinatol. 2019 Jun;46(2):215-234.