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Tratamento da dor nas doenças reumáticas


Dr. Augusto Faustino | Reumatologia

Clínica de Reumatologia de Lisboa, Lisboa


Para se falar de dor em reumatologia é fundamental compreender e interiorizar o conceito de doenças reumáticas. Estas definem-se como as doenças e alterações funcionais do aparelho locomotor (músculo-esquelético), incluindo doenças sistémicas, de causa não-traumática, actualmente designadas globalmente por doenças reumáticas músculo-esqueléticas (DRME).

São mais de 200 entidades distintas, que, porém, apresentam uma característica comum, manifestarem-se por sintomas e sinais repetitivos, presentes na esmagadora maioria dos doentes, independentemente da doença reumática em questão, em especial a dor e a incapacidade funcional.

Assim, a dor está presente em quase todas as doenças reumáticas e na esmagadora maioria das consultas de reumatologia, e de facto abordar as doenças reumáticas é abordar a dor… De facto, a tarefa fundamental do reumatologista ou do médico que aborda um doente reumático consiste na compreensão e tipificação deste sintoma único, transformando-o no elemento mais decisivo para a orientação clínica e terapêutica daquele doente. A caracterização da dor pode dar orientações preciosas para o diagnóstico (a causa/doença subjacente) e para a sua orientação terapêutica específica, contribuindo assim para um mais adequado controlo clínico e, em última instância, para retardar ou impedir a progressão da doença.

É por isso fundamental sublinhar a mensagem de que a dor deve ser encarada como o sinal de uma patologia subjacente, e que se é sempre fundamental tratar a dor (evitando a sua transformação num problema autónomo, distinto da sua causa original, e assumindo nestas circunstâncias a dimensão de uma verdadeira doença distinta), nunca se pode tratar só a dor, sem procurar, investigar, perceber e tratar a sua causa primitiva.

Obviamente esta abordagem da dor encerra uma enorme complexidade, por este sintoma único, pode ser considerado sob múltiplas vertentes e assumir distintas representações:

  • Dor sintoma/dor doença (como acima explicitado)
  • Dor aguda/dor crónica:
    • Dor aguda como processo de alerta de um processo que está a lesar uma estrutura do aparelho locomotor, implicando o seu aparecimento a suspensão imediata do seu determinante causal imediato (esforço, postura, marcha, tratamento,…);
    • Dor crónica, que se pode dividir em dor:

      1. Nociceptiva (causa local)

        • Mecânica
        • Inflamatória
      2. Neuropática (causa sistema nervoso)

        • Neuropática
        • Dor crónica (“nociplástica”)

É fundamental a distinção entre uma dor nociceptiva mecânica e inflamatória

A dor mecânica caracteristicamente melhora em repouso (os doentes referem dormir muito bem), apresenta uma rigidez de curta duração (ou ausência), matinal ou depois de imobilizações e um claro agravamento com carga e mobilização dos segmentos dolorosos, com melhoria com o repouso imediato.

A dor inflamatória apresenta uma típica expressão nocturna (com despertar nocturno, necessidade pontual de se levantar da cama e mobilizar os segmentos afectados, e impossibilidade em permanecer na cama para lá de determinada hora) uma rigidez matinal de longa duração (ou após períodos mais prolongados de imobilização), e uma franca melhoria com mobilização sem sobrecarga exagerada.

A dor inflamatória está associada em regra a fases precoces e reversíveis das doenças reumáticas, em que a dor está subjacente a fenómenos do processo patológico, em especial a inflamação, sendo por isso a sua identificação e tratamento adequados fundamentais para parar a evolução da doença, e impedir a progressão para lesões estruturais irreversíveis. Significa a verdadeira dor-sintoma.

Pelo contrário, a dor mecânica está associada a fases tardias e já irreversíveis das doenças reumáticas, em regra associada a lesão estrutural. A sua abordagem terapêutica é já mais complexa e exclusivamente sintomática, podendo incluir múltiplas abordagens não-farmacológicas. A dor mecânica pode representar a dor–sintoma, mas a sua persistência para quadro de dor crónica não resolvida, poderá significar a sua evolução para uma dor-doença.

Dor crónica central

A dor crónica central (dor nociplástica), verdadeira dor-doença, manifesta-se por um quadro de dores músculo-esqueléticas difusas e generalizadas (com sintomas mal definidos e mal caracterizados), evoluindo em ciclos viciosos de amplificação e de perpetuação, e tendo como expressão final uma síndrome (síndrome fibromiálgica) de:

  • Dor crónica, difusa e generalizada
  • Síndrome de cansaço ou fadiga crónica
  • Alterações do sono
  • Alterações psíquicas (ansiedade e depressão)
  • Sintomas de ciclos viciosos de agravamento da dor

Os ciclos viciosos de agravamento clínico de uma dor crónica não resolvida (qualquer que seja a sua origem) são:

  • Músculo-Esqueléticos:
    • Espasmo e contractura muscular
    • Imobilização–descondicionamento
  • Psicológicos:
    • Alteração do sono
    • Ansiedade/depressão

É fundamental a sua avaliação num processo de dor crónica, pois a sua não identificação poderá comprometer a eficácia terapêutica que for instituída.